A economia do prazer
Num mar de dicas financeiras nas redes sociais, algumas se destacam não pela planilha, mas pela pulsão. Neste post, analiso uma pequena cena do discurso sobre poupança — o prazer de reter — e como ele revela mais sobre o inconsciente do que sobre o saldo bancário. De influenciadores a Freud, do iPhone ao desfralde: o desejo nunca é só econômico.
4/7/20253 min read


Hoje quero fazer um post reducionista. Diferente do normal onde busco abrir os tópicos, quero analisar uma pequena parte de um subtipo de conteúdo dentro de uma série de outros.
Com o uso massivo das redes sociais, não falta conteúdo para saciar os mais diferentes interesses em qualquer assunto que seja. De exercícios físicos até música, de culinária até modificação de automóveis, haverá múltiplos influencers falando sobre o assunto das mais variadas formas. Seja sensacionalista ou pragmático, detalhista ou generalista, pode-se aprender sobre o que quer que seja na hora que quiser, da maneira que quiser. Neste post gostaria de falar sobre um assunto que tem tomado grande destaque dentre todo o conteúdo que é produzido para o consumo casual: a educação financeira.
Falar sobre dinheiro, em alguns nichos, é algo muito atrativo. Ainda que falar sobre swaps cambiais, futuros, blockchains ou outros palavrões que movem dólares e euros de um lado para o outro não seja atrativo para a maioria, não há falta de produtores de conteúdo sobre assuntos financeiros - muito pelo contrário, cada dia há mais. Dos nichos que mais crescem, invariavelmente encontramos aqueles que ensinam, de variadas formas, como ter mais dinheiro. Seja ganhando mais ou gastando menos, aumentado porcentagens aqui e ali, vendendo mais ou melhor, o objetivo final é sempre o mesmo - ter mais.
Dentre esses, fico fascinado com aqueles que pregam economias variadas - consumir o item genérico e não o de marca, evitar um delivery, pagar à vista. Este último, por exemplo, muitas vezes gera uma situação curiosa:
Veja o custo de compra este iPhone novo! Caríssimo!
Antes de parcelar em 18x, aguarde 72h, espere para ter à vista, pergunte-se se realmente é necessário
Invista o valor da parcela, que irá render-lhe juros, estará ganhando dinheiro ao invés de perdê-lo
Ao final deste ano de economias terá dinheiro para, pasmem, comprar o novo iPhone.
Esse pequeno exemplo resume algumas dicas de influencers que sugerem ao seu público uma coisa muito simples, que se resume no esperar pela gratificação. Não alego ser nenhum tipo de especialista no assunto financeiro, mas posso afirmar que isso é um reflexo de uma dinâmica do inconsciente da qual sabemos de sua existência há muito tempo - a fase anal, descrita por Freud inicialmente em 1905.
Pode-se ensinar muitas regras aos bebês. Se eles aprenderão é outra história. A primeira regra efetivamente aprendida, quase que invariavelmente, tem a ver com dar ou reter - ou seja, os treinamentos de banheiro. Ficou muito claro a Freud que a pessoa aprende a lidar com seu dinheiro a partir do seu desfralde, ou seja, no primeiro contato que teve com o aprendizado do que é que significa prender e soltar.
Quando observamos o adulto angustiado com suas finanças não é difícil perceber o quanto a angústia de gastar ou poupar é emblemática. A criança logo percebe que tem um controle enorme sobre a mãe com o simples ato de prender ou não.
O problema é que não se pode segurar para sempre.
Da mesma forma nem sempre se terá o que soltar, mas desta parte falaremos noutro momento. O ponto é que há algo de prazeroso em poupar, guardar, reter. Quando deixa-se para 'comprar depois', arrisco dizer que pouco tem a ver com os juros acumulados durante o período de economia, mas sim com o prazer que advém da poupança. Afinal, cria-se tanto alarde, tantas horas de conteúdo falando sobre o bendito celular, carro, moto, o que quer que seja - essas coisas devem obrigatoriamente ser muito desejáveis. Só que o jogo continua girando ao redor de esperar para tê-la.
A pessoa reclama se vangloriando - veja quantos boletos! É muito sedutor passar uma imagem de responsabilidade - "veja, não comprei, pois tenho boletos, sou responsável". Isso serve como um distintivo, um símbolo que vende a ideia de que será confiável na amizade e no amor, trabalhará de maneira zelosa, cumprirá seus deveres.
O problema é que essa postura contém em si uma enganação bastante rudimentar - a de que o prazer virá depois. Chegar no sonhado objetivo comumente traz consigo sentimentos bastante surpreendentes, pois não são positivos. Aqueles que conquistam frequentemente se veem chocados em ver que não estão satisfeitos, mas sim entristecidos com sua compra.
O momento da compra pode muito bem ser um momento de angústia terrível. Em Fausto, na versão de Goethe, sua perdição jazia no momento onde se julgaria satisfeito. Nos dias de hoje, entretanto, cada um deverá saber se na oferta de Mefistófeles haveria uma cláusula oferecendo 18x sem juros ou IPCA +7%.